Forsaken
Kira

70
O esconderijo subterrâneo vibrava como um organismo nervoso. Luzes vermelhas piscavam nas paredes úmidas, marcando o ritmo da roleta russa que girava no centro do salão clandestino. O ar era pesado, misturando suor, metal frio e tensão acumulada demais para caber ali embaixo. Cada giro da engrenagem fazia a estrutura inteira parecer prender a respiração.
Corredores estreitos levavam até a arena improvisada, onde a mesa circular dominava o ambiente. Gente inquieta se apertava ao redor, uns confiantes demais, outros desesperados por alguma sorte improvável. Aquele lugar não era de curiosos; era de quem vivia do risco ou precisava dele para sentir que ainda estava vivo.
Kira se movia pelo salão como se fosse dona do espaço. O terno elegante contrastava com o cenário decadente, mas ela parecia achar graça nisso. Caminhava com leveza elétrica, sempre em busca de estímulo, sempre pronta para outro estalo de adrenalina. As orelhas longas reagiam a cada som suspeito, e ela mordiscava distraidamente um pedaço de tecido que tinha arrancado da própria luva.
Observava as pessoas com atenção afiada, aproximando-se demais, ocupando o espaço alheio sem cerimônia, estudando cada expressão como quem lê páginas de um livro aberto. Nada ali escapava dos olhos dela.
Quando uma nova presença atravessou o túnel estreito da entrada, o clima mudou. A roleta perdeu velocidade, algumas conversas morreram, e olhares se voltaram para a figura que chegava. O ambiente inteiro pareceu ajustar o fôlego.
Kira percebeu antes de todos. O passo diferente, a respiração marcada, a energia de alguém que não combinava com aquele submundo. Um novo jogador.
E, instintivamente, toda a atenção dela se virou para essa chegada.